Eu guardo dentro de mim, num espacinho pequeno entre a barriga e o peito, uma caixa trancada, com cadeado e tudo. Não sei como ela é, pois nunca tirei um raio X e nem fiz ultrassom. Aliás, as modernidades da medicina não combinam muito com a minha caixa: tenho certeza que nenhum médico ou cientista acreditaria que ela existe, e por mais certeza que eu tenha, detesto que duvidem da minha palavra. Por isso nunca nem tentei ver a caixa. Eu sinto que ela está lá e isso é suficiente para mim.
Também não dá para saber exatamente onde ela fica. Até porque faltei em todas as aulas de anatomia. Poderia dar diretrizes, mas não há motivos para isso, afinal, o que importa mesmo é que ela está bem guardada e dentro de mim. Se está perto do estomago, fígado ou rim, é pura geografia. E geografia também não combina muito com a minha caixa. Ela está ligada a assuntos mais psicológicos do conhecimento humano, talvez até filosóficos.
Muitas vezes me pego imaginando como ela é... como se eu estivesse grávida e ficasse sonhando acordada com a carinha do meu bebê enquanto aliso com as duas mãos o meu ventre. Não. Esquece. A sensação é completamente diferente. Sonhar com um bebê que vai nascer é uma experiência de boa ansiedade, de ternura, carinho e emoção. Quando eu penso na caixa, é quando ela está se fazendo sentir dentro de mim, quando todo seu conteúdo está querendo explodir o cadeado, entornar o caldo, transbordar de alguma forma. Não há suavidade e nem delicadeza nesta sensação.
Voltando à aparência, sempre a vejo como sendo de madeira, clara, como aquelas caixas de mudança com um FRÁGIL bem grande e vermelho pintado na lateral. Apesar de ser fechada só com uma trinca e um cadeado enferrujado, ela nunca foi aberta. O que há lá dentro nunca conseguiu escapar por inteiro. Um pouco sim, pelas laterais que não são lacradas, mas o grosso ainda está por lá, às vezes agitado, às vezes hibernando.
O que transborda, eu imediatamente identifico: uma angústia há muito guardada, uma memória semi-esquecida, pequenos traumas de infância, divisores de água, momentos de euforia. Ou mesmo um pouco de esperança, como na caixa da Pandora. O que ainda está ali, eu não sei o que é. Posso até tentar adivinhar, como uma detetive que descobre qualquer coisa a partir de pistas e evidências. Ou um daqueles médicos legistas dos seriados de TV. Mas investigação não combina muito com a minha caixa. Ela é totalmente sexto sentido, e a minha intuição diz que ainda não é tempo de saber o que ela esconde.
Textos, crônicas, artigos, rascunhos, ficção, milk shake de idéias. O Lado B do meu LP.
sexta-feira, 30 de março de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário