Textos, crônicas, artigos, rascunhos, ficção, milk shake de idéias. O Lado B do meu LP.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

O mundo combina felicidade e tristeza dentro do mesmo time...

A primeira vez que eu me perdi em São Paulo foi ontem. Não sei exatamente qual era a configuração astral da data, mas com certeza meu signo estava à beira de uma cúspide qualquer. Planetas à parte, o dia estava lindo, com aquele sol de inverno que esquenta o vento frio e arrepia o nosso pescoço como um beijo leve.

Nos dias bonitos de julho, o céu fica absolutamente limpo, sem nenhuma nuvem para contar história ou orientar o caminho. Talvez seja por isso, talvez não. Como explicar racionalmente e fazendo algum sentido que depois de 27 invernos eu acabei perdida?

Lembrei de outro motivo que também contribuiu para os acontecimentos de ontem: eu saí para caminhar na rua. Ou melhor, na calçada. Eu sempre caminhei na rua, mas nos últimos tempos meus senso de segurança anda à flor da pele, aumentando em exata proporção com os meus medos. Portanto, fui pela calçada.

Andei exatamente meia hora e me dei conta de que só tinha olhado para o chão. Se me perguntar do que eu lembro, até sei a resposta. Lembro de pedra, lembro de buracos, lembro de cinzas e de marrons. Lembro da pegada marcada, tão funda, no cimento e do passo apressado de outros sapatos mais interessantes do que os meus. Lembro de poucos canteiros de árvores, mas só das raízes e talvez um pouco do tronco.

Como eu disse: eu não olhei para cima. Meu perceber estava totalmente voltado para o mundinho de baixo, no limite dos meus pés, do caminhar em si. Mas não do horizonte, em nenhum momento. Tanto que quando dei por mim e olhei no relógio, trinta minutos tinham passado sem que eu percebesse, e pior: eu não fazia a menor idéia de onde eu estava.

Antes que alguém me dê uma bússola de natal, ou me acuse (não sem total razão) de insanidade temporária, vou deixar algo bem claro: eu estava em uma esquina conhecida, há quatro quarteirões do meu ponto de partida. Mas tudo parecia tão diferente, que eu sabia que não estava mais no mundo real.

O céu estava amarelo, e tão brilhante, que doía manter o foco ali por mais do que alguns segundos. As árvores tinham sido pintadas com lápis de cor. As casas estavam todas abertas, mas não se via ninguém, nem dentro, nem fora, nem na rua. Em lugar nenhum. O mundo era só meu, justo no dia em que eu me perdi.

Fiquei pensando em uma frase o tempo todo: o mundo combina felicidade e tristeza dentro do mesmo time. Era encantador encontrar o caminho para a minha fantasia, mas ao mesmo tempo o surreal pode ser muito solitário. Eu pulei dentro da minha pintura preferida, e esqueci como voltar para casa.

Antes de chorar, pensei em uma estratégia: continuar andando e olhando para o chão. Se foi assim que cheguei até ali, era assim que eu iria regressar. Cheguei a fazer isso por um tempo, mas não sei quanto na medida do mundo real. Meu relógio ainda estava parado naquela outra meia hora e se recusava a funcionar. Não adiantou: eu estava um pouco mais longe ou um pouco mais perto, talvez até tenha mudado de esquina. Mas continuava completamente perdida.

Como não tinha ninguém que pudesse me dar informações, eu mesma me dei. Lembrei de quem eu era, e de quem eu sempre fui. Lembrei que aqui é São Paulo, e essa cidade é estranhamente familiar. Lembrei onde era a minha casa e porque eu tinha saído para caminhar. E finalmente, lembrei que dia era ontem, um dia lindo de inverno, sem nenhuma nuvem naquele céu claro que doía os olhos. E olhando para ele, eu saí andando. E foi olhando para o alto que eu me reencontrei.